Não basta ser um escritor fracassado, ainda tenho que aturar as homéricas discussões do casal que reside no quatrocentos e dois.
Não há um horário definido para o início do bate-boca. Porém, azarado que sou, a sinfonia de palavrões e insultos geralmente inicia no exato instante em que eu estou prestes a digitar algum primeiro parágrafo.
Normalmente a gritaria dura cinco, no máximo, dez minutos. A discussão acaba sempre quando um dos lados profere o maior impropério de todos, aquela ofensa matadora, capaz de extinguir todas as palavras e deixar apenas o silêncio preenchendo o vazio.
Recentemente, os desgraçados resolveram brigar justamente quando o meu protagonista iria proferir um emocionante discurso sobre o câncer no reto.
Os meus dedos simplesmente travaram sobre o teclado do notebook. As palavras não fluíam. Era impossível raciocinar quando, no apartamento, ao lado, uma esposa gritava “você é corno desgraçado” e o marido respondia com “sua cadela suja”.
Foram dez minutos de gritaria enquanto eu, solitário no meu quarto, lutava contra a página em branco.
A briga apenas acabou quando o marido proferiu o insulto definitivo, o golpe de misericórdia.
- Pelo menos eu não fiz o "L". - Ele gritou.
E eis que o silêncio abençoado surgiu. O único ruído, depois disso, era o som dos meus dedos digitando o meu vindouro fracasso literário.
terça-feira, 27 de maio de 2025
Discussão
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário